domingo, 18 de março de 2012

JUSTIÇA E VIRTUDE

ARTIGO : JUSTIÇA E VIRTUDE
ENSAIO SOBRE A VISÃO ARISTOTÉLICA DA JUSTIÇA COMO VIRTUDE E SUAS
ESPÉCIES

A Justiça Segundo Aristóteles

FONTE:

http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/1120/a_justica_segundo_aristoteles

 

A Justiça Segundo Aristóteles



1. RESENHA DA VIDA DE ARISTÓTELES

Aristóteles não é ateniense de nascimento, tendo nascido em Stágiros, pequena colônia grega fundada na ilha Egéia de Andros, atualmente Stavra, cidade da Grécia, perto da Macedônia, em 384 a.C. Do pai, que era médico da corte do rei Amintas II, não pôde receber a influência, pois era jovem quando este faleceu. Tendo se transferido aos 18 anos para Atenas a fim de estudar, ingressou para a academia quando Platão tinha sessenta e um anos, permanecendo como seu discípulo durante 21 anos. Com a morte de Platão (c. 348-7 a.C.), e por não concordar com os ensinamentos de Espeusipo, foi morar em Assos (Ásia Menor), a convite de Hermias.

Posteriormente, Aristóteles aceitou o convite de Felipe, rei da Macedônia e regressou para Pela (sede da corte dos reis macedônios), a primeira capital da Grécia antiga, para ser professor de Alexandre, que viria a se tornar Alexandre, o Grande.

Após a morte de Felipe, Aristóteles regressou a Atenas e fundou a sua escola, o Liceu. Aristóteles gostava de dar aulas e ministrar seus ensinamentos em caminhadas com os seus discípulos, donde a origem do nome "escola peripatética" (de "peripatos", o caminho). Destaca-se que as cidades-governos recorriam ao Liceu quando queriam redigir uma nova constituição. Nesta época faleceu a sua primeira esposa Pítias, e ele passou a viver com Herpílis, com a qual teve um filho, chamado Nicômacos.

Aristóteles foi acusado de impiedade (desrespeito aos deuses), pelos atenienses, tal como ocorrera com Sócrates. E querendo evitar que eles, os atenienses "pecassem duas vezes contra a filosofia", deixou sua escola com Teôfrastos e foi morar em Cálcis, em uma propriedade herdada por sua mãe, onde veio a falecer posteriormente, em 322 a.C.

2.ASPECTOS GERAIS DO PENSAMENTO DE ARISTÓTELES

Conforme a metafísica aristotélica, todo ser tendo necessariamente à concretização da sua natureza, à realização plena de sua forma: nisto está seu fim, o seu bem, a sua felicidade, e por conseqüência, a sua lei. Como a razão é a essência característica do homem, realiza ele a sua natureza vivendo racionalmente, e sendo disto consciente. É desta maneira que ele alcança a felicidade e a virtude, (1) isto é, a felicidade mediante a virtude, que é precisamente uma atividade de pressupõe o conhecimento racional. Logo, o fim do homem é a felicidade, para a qual é necessária a virtude, que, por sua vez, necessita da razão. Característica da ética aristotélica é a harmonia entre paixão e razão, virtude e felicidade; e também a doutrina de que a virtude é um justo meio, e um hábito racional.

Em síntese, de acordo com o ideal grego, a vida do homem tem que desenvolver-se em harmonia com as leis da natureza e os princípios da razão. O primeiro dever do homem consiste em desfrutar as faculdades que lhe proporcionou a natureza e desenvolvê-las de acordo com o seu destino. Dotado de raciocínio, ao homem não cumpre viver, mas viver honestamente, porque a sua vida compete decorrer paralela aos ideais elevados que a razão concebe. (2)

3.A IDÉIA DE JUSTIÇA SEGUNDO ARISTÓTELES

No Livro V, da sua obra Ética a Nicômacos, Aristóteles trata sobre a justiça (dikaiosýne) e, também, a injustiça (adikía) , cujo ponto de partida, acha-se assim posto: "a respeito da justiça e da injustiça devemos examinar a que sorte de ações, de fato, se referem, que espécie de mediação é a justiça e de que extremos o justo é o meio." (3)

Introduz o estudo da justiça afirmando que:

"Todos os homens entendem por justiça esta espécie de disposição que os torna aptos a realizar ações justas e que os faz agir justamente e desejar o que é justo; do mesmo modo, a injustiça é esta disposição que os faz agir injustamente e desejar o que é injusto." (4)

Mais a frente, observa que:

"Considera-se como injusto aquele que viola a lei, aquele que toma mais do que lhe é devido, como também aquele que viola a igualdade (tomando, no que respeita às coisas más, menos do que sua parte), de sorte que evidentemente o homem justo (a contrário) é, portanto, o que observa a lei e respeita a igualdade. O justo é, portanto, o que é conforme à lei e respeita a igualdade, e o injusto o que é contrário à lei e falta à igualdade. " (5)

"Mas o homem injusto não escolhe sempre mais, ele escolhe também menos no que respeita às coisas más em sentido absoluto; entretanto, considerando-se que o mal menor parece ser em certo sentido um bem, e que a avidez tem por objeto o bem, o homem injusto parece ser aquele que toma mais do que lhe é devido. Também ele fere a igualdade porque a desigualdade é uma noção que envolve as duas coisas ao mesmo tempo, e lhes é comum."

Quando o homem injusto toma mais do que lhe é devido, "ele será injusto no que respeita aos bens, não a todos os bens, mas somente àqueles que significam prosperidade ou adversidade," isto é, os bens exteriores, riquezas, honras, etc. (6)

Esse argumento sobre essa forma de justiça "é, portanto, uma justiça completa, porém não em absoluto mas em relação ao nosso próximo," e diz que "por isso a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes, e ''nem Vésper, nem a estrela-d''alva'' são tão admiráveis."

Revela Aristóteles, que:

"Somente a justiça, entre todas as virtudes, é o ''bem de um outro'' visto que se relaciona com o nosso próximo, fazendo o que é vantajoso a um outro, seja um governante, seja um associado. Ora, o pior dos homens é aquele que exerce a sua maldade tanto para consigo mesmo como para com os seus amigos, e o melhor não é o que exerce a sua virtude para consigo mesmo, mas para com um outro; pois que difícil tarefa é essa."

E nesse sentido diz ainda:

"Portanto, a justiça neste sentido não é uma parte da virtude, mas a virtude inteira; nem é seu contrário, a injustiça, uma parte do vício, mas o vício inteiro. O que dissemos põe a descoberto a diferença entre a virtude e a justiça neste sentido: são elas a mesma coisa, mas não o é a sua essência. Aquilo que, em relação ao nosso próximo, é justiça, como uma determinada disposição de caráter e em si mesmo, é virtude."

Tratando da justiça, Aristóteles encontra duas espécies de justiça: a corretiva e a distributiva. (7) Sobre esta pondera que:

"(A) uma espécie é a que se manifesta nas distribuições de honras, (8) de dinheiro ou das outras coisas que não são divididas entre aqueles que têm parte na constituição (pois aí é possível receber um quinhão igual ou desigual ao de um outro); e (B) outra espécie é aquela que desempenha um papel corretivo nas transações entre indivíduos. Desta última há duas divisões: dentre as transações, (1) algumas são voluntárias, e (2) outras são involuntárias."

Aristóteles, tratando da espécie de justiça distributiva como mediação proporcional:

"Considera que, simultaneamente, o homem injusto é aquele que peca contra a igualdade e que o injusto é desigual, é claro que existe algum meio entre estas duas espécies de desigual. Ora, este meio é o igual, visto que em toda ação admitindo o mais e o menos há também o igual. Se, portanto, o injusto é desigual, o justo é igual, o que é, sem maior raciocínio, uma opinião unânime. E, sendo o igual um meio, o justo também será um certo meio. Ora, o igual supõe ao menos dois termos. Segue-se necessariamente, não apenas que o justo é, simultaneamente, meio, igual, e também relativo, isto é, justo para certas pessoas, como também que, enquanto meio, o é entre certos extremos (que são o mais e o menos), que, enquanto igual, supõe duas coisas (que são iguais), e que, enquanto justo, supõe certas pessoas (para as quais é justo). O justo implica, portanto, obrigatoriamente ao menos quatro termos: as pessoas para as quais é de fato justo, e que são duas, e as coisas em que se manifesta, que são igualmente em número de duas. E a igualdade será a mesma, tanto para as pessoas quanto para as coisas, porque a relação (a razão no sentido matemático) que existe entre estas últimas – as coisas a partilhar – é a mesma que existe entre as pessoas. (9) Com efeito, se as pessoas não são iguais não receberão partes iguais, as disputas e as contendas originam-se quando, sendo iguais, as pessoas possuem ou se lhes atribuem partes desiguais, ou quando, sendo desiguais as pessoas, seus quinhões são iguais." (10)

"Pode-se demonstrar com isto (que o justo consiste em um meio proporcional) tendo por fundamento o mérito das pessoas. Efetivamente, todos os homens reconhecem que a justiça na distribuição deve basear-se em algum mérito, apesar de não haver acordo unânime quanto a este, os democratas fazendo-o consistir na liberdade, os oligarcas na riqueza ou na nobreza advinda do nascimento, e os aristocratas na virtude." (11)

Com efeito

"A justiça que distribui posses comuns está sempre de acordo com a proporção mencionada retro (e mesmo quando se trata de distribuir os fundos comuns de uma sociedade, ela se fará segundo a mesma razão que guardam entre si os fundos empregados no negócio pelos diferentes sócios); e a injustiça contrária a esta espécie de justiça é a que viola a proporção. Mas a justiça nas transações entre um homem e outro é efetivamente uma espécie de igualdade, e a injustiça uma espécie de desigualdade; não de acordo com essa espécie de proporção, todavia, mas de acordo com uma proporção aritmética."

Assim para Aristóteles:

"A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto injustiça se relaciona com os extremos."

Nesse sentido afirma:

"Justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo, e que distribui, seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos do que convém a si mesmo e menos ao seu próximo (e inversamente no relativo ao que não convém), mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção; e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas."

Acrescenta ainda que:

"A justiça existe apenas entre homens cujas relações mútuas são governadas pela lei; e a lei existe para os homens entre os quais há injustiça, pois a justiça legal é a discriminação do justo e do injusto." (12)

Depreende-se, portanto, que o justo compreende ao menos quatro termos: duas pessoas que receberão duas coisas a serem divididas; devendo-se estabelecer a mesma igualdade relativamente a umas e outras. Aristóteles no tocante à igualdade das pessoas, enuncia a proporção através do qual o justo se exprime. É ela uma proporção geométrica, discreta ou descontínua, supondo quatro termos diversos, e não uma proporção contínua, pois que esta pode ser considerada descontínua tomando-se duas vezes seu termo médio.

"Ora, na proporção que se deve estabelecer para realizar a justiça, o termo médio não é, como no silogismo, algo de comum a cada membro da igualdade, o que afasta, no caso, a possibilidade de uma proporção contínua. O termo médio, ao contrário, difere de um membro relativamente a outro."

Donde a necessidade de estruturar a proporção com quatro termos e não apenas três, tomando-se por base que:

"O justo pressupõe ao menos quatro termos, a razão que se estabelece entre o primeiro par de termos é a mesma que se estabelece entre o segundo, pois a divisão se efetua de maneira similar entre as pessoas e as coisas. O que o termo A é para B, o termo C será para D; e, conseqüentemente, também a razão do total relativamente ao total é a mesma. Ora, encontra-se aí, precisamente, o conjunto originado da divisão das partes e, se os termos foram reunidos desta forma, o conjunto originou-se em conformidade com a justiça."

Daí vem que, tendo-se assim formado o conjunto, estabelece-se "o justo na distribuição, e este justo é um meio entre dois extremos, que se encontram fora da proporção, porque esta é um meio e o justo uma proporção."

Assim, "a justiça distributiva é uma mediação proporcional entre duas desigualdades e esta mediação é o igual."

Tem-se que, designando A e B as pessoas beneficiárias da partilha e C e D as coisas objeto daquela, chega-se às seguintes equações:

A = C, donde A = B, donde, enfim A + C = A

B D C D B D B

Isto significa que se dará à pessoa A a parte C e à pessoa B a parte D; A e B receberão, assim, uma parte justa, que é o meio termo entre os méritos dos dois indivíduos beneficiários da divisão. As partes encontrando-se, por esta forma, proporcionadas às pessoas, estas, depois de as haver recebido (A + C, B + D), permanecem na mesma relação em que anteriormente se encontravam (A/B), ficando assim a justiça. (13)

Dando-se prosseguimento a esta linha de raciocínio Aristóteles assim explica a eqüidade: as linhas AA, BB e CC são iguais umas as outras.

A.........................E..........................A

B......................................................B

D.................C.........................F...........................C

Subtraindo-se da linha AA o segmento AE, e acrescentando-se à linha CC o segmento CD, de modo que a última, ou seja a linha DCD exceda na linha EA pelo segmento CD e pelo CF, por conseguinte ela excede a linha BB pelo segmento CD. As pessoas quando estão em litígio recorrem ao juiz e recorrer ao juiz é recorrer à justiça. O juiz restabelece a igualdade. É como se houvesse uma linha dividida em partes desiguais e ele retirasse a diferença pelo qual o segmento maior excede a metade para acrescentá-la ao menor. Conclui-se portanto, que o justo é o intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda. E a justiça corretiva é a intermediária entre a perda e o ganho.

Quanto a reciprocidade, para Aristóteles, em muitos casos ela não se coaduna com a justiça corretiva. Senão vejamos: nas transações de troca a reciprocidade deve ocorrer de acordo com uma proporção e não na base de retribuição exatamente igual. Exemplificando: Seja A um arquiteto, B um sapateiro, C uma casa e D um par de sapatos. Associam-se para a troca, pessoas diferentes e desiguais. Indaga-se: Quantos pares de sapatos são iguais a uma casa ou mesmo a uma determinada quantidade de alimento? Para Aristóteles, o número de sapatos trocados por uma casa (ou por uma determinada quantidade de alimentos), deve, portanto, corresponder à razão entre o arquiteto e o sapateiro.

Os bens devem ser medidos por uma só e mesma coisa. A unidade que mantém unidas todas as coisas é a procura (os homens necessitam dos bens uns dos outros) e o dinheiro tornou-se por convenção, uma espécie de representante da procura, daí a necessidade de que todos os bens tenham um preço marcado, pois assim haverá sempre troca e, por conseguinte, associação de homem com homem. Na realidade é impossível que objetos diferentes (exemplo do arquiteto e do sapateiro), se tornem comensuráveis. Só é possível em relação à procura.

Nesta linha de raciocínio, depreende-se que a justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos.

Distingue, ainda, a justiça política da justiça doméstica ao dizer sobre esta que:

"A justiça de um amo e a de um pai não são a mesma que a justiça dos cidadãos, embora se assemelhem a ela, pois não pode haver justiça no sentido incondicional em relação a coisas que nos pertencem, mas o servo de um homem e o seu filho, até atingir certa idade e tornar-se independente, são, por assim dizer, uma parte dele (...). Portanto, não é nessas relações dessa espécie que se manifesta a justiça ou injustiça dos cidadãos; pois, como vimos, ela se relaciona com a lei e se verifica entre pessoas naturalmente sujeitas à lei."

Sobre aquela justiça diz que:

"Uma parte é natural e outra parte legal: natural, aquela que tem a mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou daquele modo; legal, a que de início é indiferente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecida (...). Ora, alguns pensam que toda justiça é dessa espécie, porque as coisas que são por natureza, são imutáveis e em toda parte têm a mesma força (como o fogo, que arde tanto aqui como na Pérsia), ao passo que eles observam alterações nas coisas reconhecidas como justas." (14)

Por fim, no Livro V, Aristóteles trata da eqüidade e o eqüitativo e suas implicações na justiça e no justo, afirmando que:

"Essas coisas não parecem ser absolutamente idênticas entre si (...); se, o justo e o eqüitativo são diferentes, um deles não é bom; e, se são ambos bons, têm de ser a mesma coisa (...). Em certo sentido, todas elas são corretas e não se opõem umas às outras; porque o eqüitativo, embora superior a uma espécie de justiça, é justo, e não é como coisa de classe diferente que é melhor do que o justo. A mesma coisa, pois, é justa e eqüitativa e, embora ambos sejam bons, o eqüitativo é superior." (15)

Assim, para Aristóteles:

"O que faz surgir o problema é que o eqüitativo é justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A razão disto é que toda lei é universal, mas a respeito de certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta. Nos casos, pois, em que é necessário falar de modo universal, mas não é possível fazê-lo corretamente, a lei considera o caso usual, se bem que não ignore a possibilidade de erro. E nem por isso tal modo de proceder deixa de ser correto, pois o erro não está na lei, nem no legislador, mas natureza da própria coisa, já que os assuntos práticos são dessa espécie por natureza." (16)

Conclui, portanto, que:

"Torna-se assim bem claro o que seja o eqüitativo, que ele é justo e é melhor do que uma espécie de justiça. Evidencia-se também, pelo que dissemos, quem seja o homem eqüitativo: o homem que escolhe e pratica tais atos, que não se aferra aos seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si, é eqüitativo; e essa disposição de caráter é a eqüidade, que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter." (17)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Aristóteles, o eqüitativo é justo, porém não o legalmente justo, e sim uma correção da justiça legal. A característica está na correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade. Nem todas as coisas são determinadas pela lei. Com efeito, quando a coisa é indefinida, a regra também é indefinida. O eqüitativo é justo.

O homem eqüitativo é aquele que escolhe e pratica tais atos, que não se aferra aos seus direitos em mau sentido, mas tende a tomar menos do que seu quinhão embora tenha a lei por si, é eqüitativo; e essa disposição de caráter é a eqüidade, que é uma espécie de justiça e não uma diferente disposição de caráter. O princípio da eqüidade determina ser necessário tratar-se desigualmente os desiguais no momento da aplicação da lei.

Aristóteles distingue finalmente, duas classes importantes de justiça: a universal e a particular. (18) A justiça em sentido amplo (universal) se define como a conduta de acordo com a lei; em sentido estrito (particular), como o hábito que realiza a igualdade.(19)

A justiça particular ou a justiça enquanto uma virtude ao lado das demais, classifica-se, segundo Aristóteles, em justiça distributiva e justiça comutativa. Nesta esfera (justiça particular) é que o conceito de igualdade será explorado por Aristóteles, como elemento preponderante da justiça. (20)

"La justicia ofrece de si diversas partes, y cabe en ella distinguir: a) la justicia legal, que regula nuestros deberes respecto de la comunidad; b) la distributiva, que ordena el reparto de honores y bienes a los ciudadanos, según su mérito y dignidad, y que estriba en una igualdad geométrica o proporcionalidad; c) la sinalagmática y corretiva, que responde a una igualdad aritmética. Distinguese en ella, a su vez, la commutativa, que mira más directamente a la cosa que a las personas, y regula las relaciones contractuales en general, y la judicial y corretiva, que señala la equación entre los delitos y las penas, determinando las sanciones correspondientes." (21)

Complementando o estudo sobre essa divisão que faz Aristóteles da justiça:

"Si la justicia distributiva ordenaba las relaciones entre la sociedad y sus miembros, la justicia correctiva o sinalagmática ordena las de los miembros entre si. Ahora bien, cuando interviene en ella como elemento principal la voluntad de los interesados, se llama justicia commutativa; y se llama justicia judicial cuando se impone incluso contra la voluntad de un de ellos, por decisión del juez, cual ocurre en el castigo de un delito." (22)

Ainda com relação à eqüidade:

"Aristóteles se preocupó de las dificuldades que ofrece la aplicación de las leyes abstractas a los a casos concretos; e indicó un medio correctivo de la rigidez de la justicia, a saber: la equidad, criterio de aplicación de las leyes, que permite adaptarlas ao caso singular, templando su rigor.

Para hacer comprensible tal concepto parangona la equidad a un cierto instrumento de medida (regla lesbia) elaborado com una substancia plegable que le permitia adaptarse a las sinuosidades de los objetos que tenia que medir.

Así, pues, las leyes son formales, abstractas, esquemáticas: su justa aplicación exige una cierta adaptación – según Aristóteles – puede llegar hasta modificar las mismas leyes." (23)

Aristóteles elaborou sua doutrina da justiça, de modo geral, e sua concepção do justo natural, em particular, no quadro da polis , que era vista como "a grande educadora, não podendo contra ela prevalecer, estritamente falando, nenhum direito natural subjetivo do cidadão." Revela-se, ademais, a tendência conservadora na persuasão da justiça das leis em vigor na polis e de sua conformidade com o direito natural. (24)

Refere-se o justo político, a que pertence o justo natural, tão só aos cidadãos gregos, dele excluindo-se, expressamente, as mulheres, as crianças, os "bárbaros" e os escravos. (25) Circunscreve-se, também, o justo político aos limites da polis . Essa noção era, pois, limitativa, sob o dúplice aspecto de abrangência pessoal e espacial. Sendo manifesto o comprometimento ideológico da doutrina aristotélica da justiça com as instituições fundamentais do mundo helênico, seu valor, nesta medida, mostra-se contingente. (26)

O princípio da justiça distributiva não nos diz que devemos tratar as pessoas como iguais ou como desiguais, deixa simplesmente pressupor que a igualdade ou a desigualdade entre elas se acham já fixadas em harmonia com um certo ponto de vista que aliás não pode ser dado pelo princípio. A igualdade não é um fato que nos seja dado. Nem os homens nem as coisas são iguais entre si. Pelo contrário, são sempre tão desiguais "como um ovo em relação a outro ovo". A igualdade é sempre uma abstração, sob certo ponto de vista. Só desigualdades nos são dadas. (27)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO , Plauto Faraco de. Justiça distributiva e aplicação do direito . Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1983.

ARISTÓTELES . Ética a Nicômacos . São Paulo: Editora Abril Cultural e Industrial S.A., 1973.

_____. Éthique à Nicomaque . 2. éd. Paris: Librairie Philosophique Vrin, 1967 (Trad. avec introd., notes et index par J. Tricot).

_____. La Politique . 2. éd. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 1967 (Trad. avec introd. notes et index par J. Tricot).

_____. Rhétorique . 2. éd. Paris: Édition "Les Belles Lettres," 1960.

_____. Physique . Paris: Édition "Les Belles Lettres," 1926-31, v. II (Trad. Henri Carteron).

_____. Obras . Madrid: Aguillar, 1977 (Trad. Francisco de P. Samarach).

_____. Metafísica . Porto Alegre: Globo, 1969 (Trad. L. Valandro).

CAUQUELIN , A. Introdução ao pensamento de Aristóteles . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995 (Trad. L. Magalhães).

DEL VECCHIO , Giorgio. Filosofia del derecho . 1946, t. II.

GAARDER , Jostein. O mundo de Sofia : romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 (Trad. portuguesa de João Azenha Júnior do original alemão "Sofies verden").

GRAU , José Corts. Historia de la filosofia del derecho . 2. ed. Madrid: Editora Nacional, 1968.

RADBRUCH , Gustav. Filosofia do direito . 6. ed. rev. e acrescida dos últimos pensamentos do autor. Coimbra: Arménio Amado Editor – Sucessor, 1997 (Trad. portuguesa de L. Cabral de Moncada do original alemão "Rechtsphilosophie").

ROMMEN , Heinrich. L''eterno ritorno del diritto naturale (trad. e pref. de Giovanni Ambrosetti). Roma: Studium, 1965 (Trad. italiana do original alemão "Die Ewige Wiederkehr des Naturrechts").

SALGADO , Joaquim Carlos. A idéia de justiça em Kant : seu fundamento na liberdade e na igualdade. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995.

TRUYOL Y SERRA , Antonio. Historia de la filosofia del derecho y estado . Madrid: Revista de Occidente S.A., 1970.

NOTAS DE RODAPÉ

(1) A ética aristotélica é um estudo da virtude ( arete , ou mais propriamente, excelência), uma vez que, segundo o próprio Aristóteles, nosso objetivo é tornar-nos homens bons, ou alcançar o grau mais elevado do bem humano. Este bem é a felicidade; e a felicidade consiste na atividade da alma de acordo com a virtude . (ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos . I).

(2) O homem só é feliz se puder desenvolver e utilizar todas as suas capacidades e possibilidades. Aristóteles acreditava em três formas de felicidade: a primeira forma de felicidade é uma vida de prazeres e satisfações. A segunda forma de felicidade é uma vida como cidadão livre, responsável. E a terceira forma de felicidade é a vida como pesquisador e filósofo. (GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia : romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 131).

(3) ARISTOTE. Éthique à Nicomaque . 1967, V, I, 1129a, p. 213.

(4) Ibidem, V, 1, 1129a, p. 213.

(5) Ibidem, V, 2, 1129a-b, p. 216, notas 1 e 2.

(6) Ibidem, V, 2, 1129b, p. 216, nota 6; p. 217, notas 1 e 4.

(7) A justiça corretiva pressupõe duas pessoas, a distributiva, pelo menos três. As duas primeiras, na justiça comutativa, acham-se equiparadas uma à outra; entre as três últimas, na distributiva, porém, há de haver uma (pessoa) que, porque distribui entre as outras duas encargos ou vantagens, lhes dá de ser superior, achando-se estas subordinadas. A justiça comutativa é a justiça própria das relações de coordenação. A distributiva é a própria das relações de subordinação ou de supra-ordenação v.g. a da tributação quando conforme com a capacidade tributária, a do prêmio ou do castigo proporcionados ao mérito ou demérito. Dizendo isto, fica já suficientemente esclarecida a relação em que se acham estas duas espécies de justiça que tem lugar entre pessoas com iguais direitos, pressupõe necessariamente um ato anterior de justiça distributiva pelo qual se reconheceu aos interessados o seu igual direito, a mesma capacidade de comércio, o mesmo status . Isto mostra-nos que a justiça distributiva representa a forma primitiva da justiça. (RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito . Coimbra: Arménio Amado Editor – Sucessor, 1997, p. 89).

(8)Segundo Aristóteles a honra é a expressão natural da medida ainda não consciente do ideal de arete , a que aspira. Sabe-se que os homens aspiram à honra para assegurar o seu valor próprio, a sua arete. Deste modo, aspiram a ser honrados pelas pessoas sensatas que os conhecem, e por causa do seu próprio e real valor. Reconhecem assim como mais alto esse mesmo valor . (ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos . A 3, 1095b, p. 26).

(9) ARISTOTE. Éthique à Nicomaque . 1967, V, 6, 1131a, pp. 226-27, nota 6.

(10) Ibidem, V, 6, 1131a, pp. 226-27.

(11) Ibidem, V, 6, 1131a, p. 227, nota 8 e p. 228.

(12) ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos . V, 1095b, passim.

(13) ARISTOTE. Éthique à Nicomaque . V, 6, 1131a-b, pp. 228-29, nota 4; V, 7, 1131b, p. 230. ARISTOTE. La Politique . 1970: III, 9, 1280a, p. 204.

(14) ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos . 1134b.

(15) ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos . 1137b.

(16) Idem, ibidem, 1137b.

(17) Idem, ibidem, 1138a.

(18) Aristóteles acrescenta à palavra justiça vários qualificativos que demonstram a possibilidade de classificá-la de diferentes modos, segundo o critério que se adota. Assim, fala em justo político, que se refere à comunidade política, e justo doméstico, que se refere à família (ARISTÓTELES. Grande moral . 1194b); o justo privado, que se refere a um outro indivíduo ou a vários, e o justo diante da comunidade, que se refere ao que a ela é devido (ARISTÓTELES. Retórica , 1373); o justo geral, que impregna todo ato virtuoso, e o estrito, referente à virtude específica da justiça; justo legal, promanado da lei humana, também chamado simplesmente justo, legal, político e o justo original, denominado também eqüitativo e natural. (ARISTÓTELES. Grande moral . 1193b); finalmente, o justo absoluto, atinente à igualdade proporcional quanto ao mérito e o justo que diríamos relativo. (ARISTÓTELES. Política . 1279a, 1301b).

(19) SALGADO, Joaquim Carlos. A idéia de Justiça em Kant : seu fundamento na liberdade e na igualdade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1995, p. 36.

(20) Idem, ibidem, p. 37.

(21) "A justiça se oferece de si várias partes, cabendo nela distinguir: a) a justiça legal, que regula nossos deveres a respeito da comunidade; b) a distributiva, que ordena a distribuição das honras e bens aos cidadãos, segundo o mérito e dignidade e que apoia em uma igualdade geométrica ou proporcional; c) a sinalagmática e corretiva, que responde a uma igualdade aritmética, distinguindo nesta, por sua vez, a comutativa, que visa mais diretamente à coisa que as pessoas e regula as relações contratuais em geral e a judicial e corretiva, que assinala a equação entre os delitos e as penas, determinando as sanções correspondentes." (GRAU, José Corts. Historia de la filosofia del derecho . Madrid: Editora Nacional, 1968, p. 137)

(22) "Se a justiça distributiva ordenava as relações entre a sociedade e seus membros, a justiça corretiva ou sinalagmática ordena as dos membros entre si. Contudo, quando intervém nela como elemento principal a vontade dos interessados, se chama justiça comutativa; e se chama justiça judicial quando se impõem inclusive contra a vontade de um deles, por decisão do juiz, qual ocorre no castigo de um delito." (TRUYOL Y SERRA, Antonio. Historia de la filosofia del derecho y estado . Madrid: Revista de Occidente S.A., 1970, p. 178).

(23) "Aristóteles se preocupou das dificuldades que oferece a aplicação das leis abstratas aos casos concretos; e indicou um meio corretivo da rigidez da justiça, a saber, a eqüidade, critério de aplicação das leis, que permite adaptá-las ao caso singular, moderando seu rigor. Para fazer compreensível tal conceito compara a eqüidade a um certo instrumento de medida (regra lésbica) elaborado com uma substância dobrável que lhe permitia adaptar-se às sinuosidades dos objetos que tinha que medir. Assim, pois, as leis são formais, abstratas, esquemáticas: sua justa aplicação exige uma certa adaptação que consiste cabalmente na eqüidade, a qual – segundo Aristóteles – pode chegar até modificar as mesmas leis." (DEL VECCHIO, G. Filosofia del derecho . 1946, t. II, p. 14).

(24) ROMMEN, Heinrich. L''eterno ritorno del diritto naturale . Roma: Studium, 1965, pp. 7-8.

(25) Idem, ibidem, p. 16.

(26) AZEVEDO, Plauto Faraco de. Justiça distributiva e aplicação do direito . Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1983, p. 149.

(27) RADBRUCH, Gustav. Filosofia do direito . Coimbra: Arménio Amado Editor – Sucessor, 1997, p. 90.

Texto confeccionado por
(1)Deilton Ribeiro Brasil

A Concepção Aristotélica De Justiça

FONTE:

A Concepção Aristotélica De Justiça

Aristóteles
O grande filósofo grego, filho de Nicômaco, médico de Amintas, rei da Macedônia, nasceu no ano 384a.C, em Estagira, colônia grega da Trácia, no litoral setentrional do mar Egeu. Aos dezoito anos, em 367a.C, vai para Atenas e ingressa na Academia Platônica, onde fica por vinte anos, até a morte do Mestre. Nesse período, estuda também os pensamentos pré-platônicos, que lhe foram úteis para a construção de seu grande sistema filosófico.
Estudiosos especulam que ele se mostrava como alguém que falava com uma pronúncia defeituosa, preocupava se em demasia com a aparência e tinha grande carinho pela família, alunos e seus dependentes, dos quais sempre cuidava com muito afeto. Para sustentar esse fato, podemos nos reportar a uma cláusula de seu testamento, em que emancipa alguns de seus escravos preferidos.
Fato notório, que foi professor e mentor de Alexandre, o grande, um dos maiores conquistadores que o mundo já viu, rei da Macedônia, passando a ele todos os seus conhecimentos técnicos e morais, inclusive ensinando-lhe famosas táticas de guerra.
Provavelmente, nenhum pensador tenha sido mais influente que Aristóteles, através dos tempos. Durante alguns séculos após sua morte, sua obra não chega a ter o reconhecimento merecido, mas nos últimos 700 anos, quase todos os homens cultos do mundo Ocidental, passam a estudar.
Religiosos de todas as partes procuram relacionar sua fé com as idéias de Aristóteles, desde os escolásticos cristãos, passando por teólogos muçulmanos, e estudiosos judeus.
Experiências e investigações do Estagira dão origem e constituem-se em momentos importantes de diversas disciplinas, como a Ética, a Política, a Estética, a Biologia, a Psicologia, a Lógica, etc. Ele é o primeiro a identificar, separar e classificar, reconhecendo que cada uma delas tinha métodos e técnicas peculiares, e dedica-se a quase todos os ramos do conhecimento.
Outrossim, de todos os filósofos da antiguidade, é Aristóteles quem desenvolve, mais precisamente, os temas ligados à filosofia do Direito, apresenta as primeiras noções sobre Justiça, dentro de uma perspectiva jurídica. Conceituando-a, enfocando-a sob o contexto da “Pólis”, isto é, mencionando sua relevância na estrutura da elaboração da lei e do Direito, necessários à vida social, dentro da cidade-estado.
Existem grandes trabalhos de Aristóteles, onde o tema central é a Ética; um deles é a “Ética a Nicômaco”, batizada com o nome do seu filho; o outro estudo é a “Ética a Eudemo”, escolhido em homenagem a um de seus alunos. A primeira é a mais completa, onde ele desenvolve uma madura teoria da Justiça, precisamente no Livro V, e cuja influência chega até os dias atuais, como objeto de estudo de muitos juristas famosos, e como objeto de reflexão deste trabalho.

2 Ética a Nicômaco
Ligadas à doutrina da Justiça, criada por Aristóteles, devemos destacar uma trilogia de obras, não pertencentes a um mesmo período, composta pela “Magna Moralia”, conhecida como a “Grande Ética”, pela “Éthica Eudemia”, chamada de “Ética a Eudemo”, e pela “Éthica Nicomachea” famosa com o titulo “Ética a Nicômaco”.
Na “Ética a Nicômaco” o filósofo procura não se afastar da idéia tradicional de Justiça, como uma virtude ética por excelência e resolve analisar os diversos sentidos da palavra, correlacionando-a com a sua antítese, a injustiça, elaborando assim a eqüidade, que para ele é a melhor espécie de justiça. “A eqüidade, ao contrário, por sua própria natureza, visa a corrigir a lei quando esta se demonstra incompleta, para abarcar o caso especial e concreto, que foge à aplicação genérica” [i], assim como, “toda lei (nómos),tem um enunciado necessariamente geral, pois o legislador leva em consideração, tão-só, os casos mais freqüentes. Nesse sentido, a lei se distingue do decreto (psephisma), que atende a situações específicas e concretas. Ao surgir um caso não incluído de modo explícito no texto da lei, é de justiça interpretá-la num sentido mais preciso e concreto, a fim de estender a norma genérica à hipótese em questão, atendendo-se, assim, mais ao espírito do que a letra da lei.”[ii] Para o filósofo, a virtude da "justiça política”, na verdade se divide em duas categorias, “uma natural (phisykon) e a outra legal (nómikon), Natural é a que em todo lugar tem a mesma força e não depende dessa ou daquela opinião.Legal, a que na origem pode ser, indiferentemente, esta ou aquela; mas que uma vez estabelecida, impõe-se a todos.”[iii] Nesse mesmo diapasão, o pensador afirma que de todas as virtudes, somente a justiça se ocupa do bem alheio.
Aristóteles entende o principio da igualdade, através de duas formas fundamentais: da Justiça como virtude geral e como virtude especial, a segunda originando a “Justiça distributiva” e a “Justiça Corretiva”, e essa por sua vez subdividida em “Justiça Comutativa” e “Justiça Judicial”.

2.1 A Justiça como virtude geral
Em sua tese, Aristóteles observa que no plano individual, as virtudes morais equilibram as ações de cada um, conduzindo a um justo meio-termo; assim também, no plano coletivo, atua uma virtude moral que é a Justiça. Esta procura sempre o equilíbrio e a eqüidade na comunidade política, conhecida como “Polis”.
Assim, ela é o ponto de encontro da sua Ética com a sua Política. Nesse sentido as virtudes morais adquirem da Justiça sua forma plena, ou seja, o seu significado social, tornando-se esta a base da moralidade da vida política.
No tratado Ética a Nicômaco, ele observa inicialmente a virtude da Justiça, sob um aspecto legal. Desse modo, como virtude moral, ela é o sentimento interior e subjetivo que conduz o individuo à obediência do que a lei prescreve; essa é a sua primeira função. Dessa maneira, o meio-termo, é o que a legislação define entre a ação de fazer e a ação de não fazer.
A Justiça legal regula as relações sociais entre cidadãos livres e iguais, determinando que o justo meio da ação virtuosa é o tratamento igual ou, como constatamos, o que mais tarde se tornou o principio da isonomia.
Por outro lado, fica também definido que o oposto à Justiça, a injustiça ocorre da não observância da lei, e do tratamento desigual entre semelhantes, “o homem justo é aquele que se conforma à lei e respeita a igualdade; injusto é aquele que contraria a lei e a igualdade”[iv].
A legislação prescreve todos os atos de bondade e Justiça como regra e, conseqüentemente, proibindo todos os atos que vão de encontro a esse preceito; esses podemos chamar de vícios.
Ademais, cumprir a lei nada mais é do que praticar todos os atos virtuosos, individualmente e coletivamente. “Essa forma de Justiça é, portanto, uma virtude completa, não em sentido absoluto, mas nas nossas relações com os outros. É por isso que muitas vezes a Justiça é considerada como virtude mais perfeita e nem a estrela vespertina e nem a estrela matutina são mais admiradas que ela”[v].
Essa matéria tem como principal função regular as relações entre os cidadãos, exercendo uma tarefa geral, aperfeiçoando o individuo e suas virtudes, procurando o “bem” alheio.
Em resumo, a Justiça em questão é a virtude completa, pois determina o cumprimento das leis e o respeito à igualdade entre todos os cidadãos; ela é uma “virtude inteira”, assim como a justiça é o “vicio inteiro”.
Ele refere-se também a uma “Justiça especial”, muito próxima do Estado e do Direito, a uma “Justiça comutativa” e a uma “Justiça distributiva”
Finalmente, “o homem mais perfeito não é aquele que exerce sua virtude somente para si mesmo, mas aquele que a pratica também, em relação aos outros, e isso é uma obra difícil”[vi].

2.2 A Justiça Distributiva
Ao elaborar um pensamento, através de uma medida geral, considerada como “virtude”, o pensador, também formula uma teoria da Justiça, como medida axiológica para o Estado e o Direito, uma forma particular desta medida, que pode ser relacionada a todas as virtudes relativas à comunidade e à política, por intermédio de uma igualdade proporcional.
O ilustre filósofo dizia que “a virtude da Justiça é a essência da Sociedade Civil”[vii].
A Justiça Distributiva é explicada na Ética a Nicômaco, como aquela que se aplica na repartição das honras e dos bens da comunidade, segundo a noção de que cada um perceba o proveito adequado a seus méritos. Contudo, artificialmente de um modo metafórico, significa sua realização através de um critério de Progressão Geométrica.
O principio é o da igualdade proporcional, “a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo nesta acepção é o meio-termo entre dois extremos desproporcionais, já que o proporcional é um meio termo, e o justo é o proporcional”[viii]. Conseqüentemente, podemos afirmar que, o justo é o proporcional e o injusto é o que quebra a proporcionalidade.
Partindo daí, podemos observar claramente a presença da Justiça distributiva nos dias atuais, como o princípio geral das igualdades das relações jurídicas e da justa repartição de bens. Um exemplo disto é o dispositivo constitucional que versa “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”[ix].
Essa modalidade regula as relações entre a sociedade e seus membros, enquanto a Corretiva ordena as relações dos membros entre si.

2.3 A Justiça Corretiva
A espécie Corretiva é a segunda prevista na Ética a Nicômaco. Ela resulta em um “principio corretivo” frente às relações privadas, sejam elas voluntárias ou involuntárias, as primeiras, contratuais, e as últimas delituosas. O principio da igualdade é encarado de forma diversa, em proporção matemática, cuidando somente de medir os ganhos e perdas de modo impessoal, as coisas e as ações são levadas em conta pelo seu valor objetivo, e não mais pela qualidade das pessoas.
Essa idéia de Justiça fica centrada no ponto intermediário, no meio termo entre a vantagem e o dano, ou na correspondente entre o delito e a pena. Em resumo, todas as relações de troca, sejam penais ou civis, são objetos dessa figura Corretiva.
Como subdivisão desta última, temos a Justiça Comutativa, que tem sua origem no latim “comutare”, que pode ser traduzido por “trocar”. Ela tem o intento de regular as relações de troca em conformidade com certa medida, é aplicada nas relações voluntárias, visando à igualdade entre o que se dá e o que se recebe, entre a prestação e a contraprestação; tendo como principal meta ordenar as relações jurídicas. Portanto, é bilateral e sinalagmática, tem por finalidade estabelecer a igualdade das relações entre os particulares, de modo a adequar-se caso a caso, para a efetivação de uma real isonomia aritmética.
Partindo do que diz Aristóteles, a manifestação mais clara dessa forma de Justiça, na atualidade, aparece no Direito Civil, na forma da Responsabilidade Civil e no Direito Contratual.
A segunda subdivisão é a Justiça Judicial, aquela que é aplicada em casos de violação, exigindo uma igualdade proporcional entre o dano e o ressarcimento, entre o delito e a pena, fazendo prevalecer o critério eqüitativo nas controvérsias que exigem a presença do juiz. Aristóteles salienta que “um homem é injusto quando seu ato viola a proporção da igualdade”[x].
Por fim, considerando a proporção matemática que norteia a Justiça Corretiva, é irrelevante se uma pessoa boa lesa uma pessoa má, ou vice-versa; elas serão tratadas igualmente. O que é levado em conta é o ganho do infrator e a perda da vítima, procurando um meio termo, entre eles, o que será igual ao justo.
   

Conclusão:
Aristóteles foi quem mais se aproximou da perfeição, seu pensamento foi o ponto de partida da maioria das teorias formuladas e suas modalidades revolucionaram a concepção Ocidental de Justiça. Em seu livro “Ética a Nicômaco”, ele consegue de, uma forma extraordinária, dividir a Justiça em duas vertentes, como virtude geral e como virtude especial. A primeira possui um caráter moral pessoal, uma espécie de Justiça interior, enquanto a segunda tem uma conotação reguladora, regendo as relações entre os cidadãos, seja de uma forma distributiva ou de uma forma corretiva. Essa linha de raciocínio é tão magnífica, que está inserida em alguns princípios da nossa legislação atual, fazendo-nos refletir que apesar desse imenso espaço temporal, Aristóteles conseguiu formular uma idéia madura que rompeu as barreiras do tempo e do espaço. Devemos prestar atenção ao fato de que a Justiça Aristotélica está sempre fundada na ética e na virtude, sendo assim, na consciência moral de cada um.

Justiça e Felicidade em Platão

Fonte:
http://www.espacoacademico.com.br/060/60silvafabretti.htm



Justiça e Felicidade em Platão


De que forma é a justiça melhor que a injustiça? E quem é mais feliz, o homem justo ou o injusto? Herdeiro e continuador da ética socrática, Platão foi quem pela primeira vez consignou por escrito argumentos em defesa da justiça como a virtude por excelência, seja para o indivíduo seja para a sociedade, e propalou a crença socrática de que o homem justo é intrinsecamente feliz, desenvolvendo, dessa maneira, um conceito de justiça substancialmente distinto das concepções tradicionais.
Princípio fundamental da ética e política platônica, a noção de justiça é recorrente nos trabalhos de Platão, que dedicou à busca da natureza ou definição da justiça um diálogo bastante complexo e, certamente, o que se tornou mais célebre: a República. No primeiro livro da República, é colocada questão “o que é a justiça?” para o debate entre Sócrates e seus interlocutores. Rejeitadas sem maiores esforços argumentativos certas opiniões vulgares que supunham ser a justiça fazer bem ao amigo e mal ao inimigo, ou então dizer cada um a verdade e restituir o que é devido, a discussão torna-se mais acalorada com a introdução do aguerrido sofista Trasímaco, defensor de uma concepção provocativa daquilo que seja a justiça. De acordo com Trasímaco, “a justiça não seria outra coisa senão a conveniência do mais forte” (República, 338c). Seria, pois, direito de quem manda ou governa estabelecer as leis e fazer cumpri-las segundo seu interesse; e a justiça convencional, isto é, aquilo que o senso comum reputa como justo nada mais seria que a obediência dos mais fracos. Com base nessa visão da justiça e do justo, Trasímaco propôs uma inversão dos tradicionais valores de justo e injusto, argumentando, a partir de premissas comumente aceitas como realistas, em favor da superioridade da conduta injusta. Se a justiça consiste na vantagem do mais forte, o prejuízo é próprio daquele que obedece e serve. Os submissos agem em benefício dos mais poderosos tornando-os, com seus serviços, mais felizes e nunca a si mesmos. Na vida cotidiana, o homem justo, seja qual for o negócio em que se envolva, sempre sai perdendo para o injusto, o qual, obviamente, permaneceria sempre em melhores condições, usufruindo maior riqueza e prestígio. É com flagrante desfaçatez que o sofista apresenta a tirania e a vida do tirano como modelos da mais completa injustiça e do máximo de felicidade que esse tipo de injustiça é capaz de proporcionar. Assim, o tirano, que por arbítrio usurpa, tortura e mata, fazendo os cidadãos seus escravos, não é injuriado por estes, mas invejado e qualificado de feliz por todos quantos souberam que ele cometeu a injustiça completa. “É que aqueles que criticam a injustiça”, disse Trasímaco, “não a criticam por recearem praticá-la, mas por temerem sofrê-la” (República, 344c). A justiça, o sofista reiterou, é a vantagem do mais forte.
A tese de Trasímaco, que representava uma opinião política vigente no tempo de Platão, está em frontal desacordo com as crenças mais firmes do autor da Repúblicaa respeito da justiça. Tais crenças vão sendo postas e discutidas ao longo do diálogo; mas já nesse primeiro livro a concepção fundamental da justiça platônica fora introduzida, porém não suficientemente desenvolvida. Para refutar a identificação da justiça com a vontade e o desígnio do mais forte, Sócrates aduziu uma série de argumentos e analogias, que é impossível expor todos aqui. O mais importante focaliza o fato de que cada coisa possui uma função própria. Sejam os instrumentos de trabalho, os animais ou os órgãos dos sentidos, cada um possui uma virtude própria (arete), que o possibilita executar da melhor maneira sua função específica (por exemplo, a afiação da navalha, a visão aguda dos olhos etc.). A alma (psyche) do homem não escapa à regra. Ela tem uma função, qual seja, a vida, e a arete que a permite levar a cabo esta função do modo melhor possível é a justiça. De sorte que é o homem justo, não o injusto, o que vive bem e, por isso, é próspero e feliz. Essa idéia não é nenhuma novidade trazida pela República, já foi aventada no diálogo Górgias. Sua importância é capital. Com efeito, Platão, seguindo Sócrates, ofereceu uma concepção de justiça muito diferente das concepções vulgar e aristocrática. “No lugar de conceber a justiça como um conjunto de convenções sociais que são articuladas e impostas pela e por causa da sociedade como um todo, Sócrates explica a justiça como aquela virtude (excellence) ou arete pela qual qualquer o ser humano será levado ao tipo de vida que maximizará seu maior bem”[1]. Nesse mesmo sentido é oportuno citar ainda W. Jaeger: “O conceito platônico do justo está acima de todas as normas humanas e remonta a sua origem na alma mesma. É na natureza mais íntima desta onde deve ter seu fundamento o que o filósofo chama o justo”[2]. Em resumo, podemos afirmar que a justiça platônica reside, antes de tudo, na alma humana como sua qualidade precípua e critério do melhor e mais feliz tipo de vida ao homem.
Tal noção de justiça se afigura o resultado positivo da discussão do primeiro livro da República. Mas Sócrates, com sua habitual circunspecção, não se deu por satisfeito com esse resultado; desejando abandonar a conversa. É impedido pelos irmãos de Platão, Gláucon e Adimanto, dois jovens da elite ateniense que, curiosos para ouvir Sócrates advogar em favor da causa da justiça e mostrar em que esta é melhor que a injustiça, tomam partido, não por uma inclinação pessoal, pela opinião do sofista e passam a elogiar e defender a injustiça como superior à justiça. Foi assim que Gláucon esboçou o quadro extremado do homem justo que, tomado por injusto, é submetido a toda forma de torturas, espoliado e encarcerado, passando pelas mesmas penúrias também sua família; enquanto que o homem injusto, pelo contrário, pode ser tão astuto em sua maldade que é capaz de encobri-la por toda a sua vida e gozar da mais elevada reputação e de todas as recompensas possíveis ao homem. Na mesma linha de raciocínio, argumenta Adimanto em defesa da injustiça considerando-a como o caminho mais proveitoso para o homem que a pratica com êxito, e não só na vida, mas também depois da morte – se for verdade que os deuses perdoam a culpa dos injustos em troca de ritos. Sócrates é, então, solicitado a demonstrar, na contra-corrente da opinião da multidão, que a justiça é um bem em si, desejável por si mesma e por suas conseqüências; e a explicar não apenas que a justiça seja melhor que a injustiça, mas o efeito que cada uma delas tem sobre quem a possui, e que um desses efeitos é bom e o outro mau.

Essa petição implica um trabalho colossal, que Sócrates duvidou fosse ele capaz de realizar. Contudo, para não ser acusado de impiedade por não defender a justiça, aceitou o desafio, em atenção a seus jovens interlocutores, desenvolvendo uma extensa investigação em psicologia, teoria política e metafísica. Não podemos expor aqui em detalhe a demonstração de Sócrates – ao leitor mais interessado fica a recomendação de apreciar as prazerosas páginas da República. Mas é mister que apresentemos seu resultado, de forma resumida. Seguindo seu princípio metodológico de primeiro descobrir o que seja a justiça no plano da cidade (que exigiu toda uma explanação da estrutura do Estado ideal e da educação dos seus guardiões) para depois achar a justiça no indivíduo, Sócrates afirma como sendo a justiça no caso da cidade o princípio de que cada pessoa deve realizar sua própria tarefa, “aquela para qual a sua natureza é a mais adequada” (República, 433a). Isso é a justiça, o fundamento do Estado. À luz dessa descoberta, Sócrates se volta à busca da justiça no indivíduo. O indivíduo entendido como um Estado em proporções menores também se constituiria de três ordens. Existe no indivíduo o princípio racional, que representa o papel dos guardiões na cidade da alma; o elemento impetuoso que, retamente empregado, é a ajuda da sabedoria, tal como os auxiliares são assistentes dos governantes, e ambos devem, uma vez educados, dominar a massa dos desejos que formam a parte apetitiva da alma e infundir no homem uma temperança total, pois a justiça individual toma lugar quando todas as faculdades trabalham em harmonia umas com as outras. Quando a sabedoria governa, o homem estará em paz consigo mesmo. A justiça é a saúde, a beleza e o bem-estar da alma; o vício é sua enfermidade, fealdade e fraqueza. Isso basta, certamente, para deixar clara a superioridade da justiça em relação à injustiça, e o fato de que é daquela, jamais desta, que se deve esperar a felicidade verdadeira. Assim, como muito apropriadamente destaca W. K. C. Guthrie, para Platão, “justo e injusto, justiça e injustiça, não são simplesmente questões de relação entre homens; essencialmente são estados internos e espirituais do indivíduo, um estado saudável ou patológico respectivamente da psyche”. Enfim, definida a justiça como harmonia e ordem interna, a felicidade do justo consiste na conquista e conservação dessa harmonia, a qual, nos rigores da moral socrático-platônica, não sofre maiores interferências de fatores externos.